terça-feira, 3 de março de 2015

Filó uma experiência de Paraíso

Filó uma experiência de paraíso

                     Frei Rovílio Costa

 

Nas noite longas de inverno

fiavas vida e sustento:

pungir de um Vêneto eterno

no canto fundo do vento!

(Itálico Marcon, Porto alegre, amanhecer de 26/07/1971)

               O contadino (agricultor), durante os meses de inverno, tinha que permanecer em casa, pois não havia condições de trabalhar na lavoura. Se não  houvesse um trabalho doméstico, a vida se desenrolaria num constante e, por vezes monótono filó. As mulheres tinham o tempo ocupado em preparar refeições, costurar bordar, tricotar, fiar. Os homens também fiavam. A ordenha, para quem tinha vacas leiteiras, o fabrico do queijo, manteiga, requeijão era outra atividade envolvente. Mas a maior pare do tempo era livre. Surgiram, assim, os famosos contadores de histórias, especialmente às crianças para entretê-las. Uma atividade das mães era ensinar os filhos pequenos a decorar o catecismo e muitas orações ensinadas pelos mais velhos e que passaram de geração em geração.

               A palavra filó significa, na Itália, o conjunto de trabalhos manuais que podiam ser executados em casa, no período de inverno. Uma boa atividade era o encontro entre vizinhos. Uma família visitava outra e vice-versa.

               Para quem não tivesse o aconchego dos animais, na estrebaria, anexa à casa, o aquecimento  doméstico tinha que ser feito à base de lenha.

               Impossível seria enfrentar o inverno rigoroso, de muits graus abaixo de zero, sem o aquecimento pelo fogo doméstico.

               Mas escassa era a  lenha e hoje ainda o é nas pequenas borgatas onde ainda não chegou o aquecimento domiciliar. Que fazem, hoje, nessas localidades, as pessoas idosas, os aposentados que ficam em casa  sem o que fazer?  Para economizar lenha, costumavam reunir-se anciões de duas ou três famílias, um dia nesta outro dia naquela casa, até o anoitecer, para assim, queimar lenha numa só casa. À noite, retornando, acendem o fogo para preparar os alimentos e aquecer o ambiente. Em La Valle Agordina “Belluno” em 1984, visitamos um grupo de anciãos de três diferentes famílias, reunidos numa mesma casa, ao redor do fogo, num rigoroso inverno janeiro. As mulheres faziam diferentes costuras e os homens se ocupavam   contando histórias.

               Em nossas colônias não tivemos problemas do frio. Mas o filó passou a ser uma tradição ou uma atividade da noite, ou do anoitecer. Depois de escurecer não dá para trabalhar na lavoura, sentão prepara-se a comida, fica-se conversando, rememora-se o dia passado, os pais aproveitam para uma conversa pedagógica com os filhos e a harmonia se torna completa quando, finda a janta, todos, de joelhos, desfiam as contas do rosário, rezando o terço, agradecendo a Deus pela vida, saúde, colheitas, pedindo a libertação das inteperies e pragas e rezando pelos doentes, pelos falecidos...

               Na colônia, quando se determinava fazer filó em alguma família, juntava-se em casa, procurando chegar umas duas horas antes do horário dessa família ir dormir. Tinha-se o cuidado de chegar na família depois que já tivesse jantado. Aí se ajudava a lavar a louça, se o estivessem fazendo, senão se rezava juntos o terço, se o estiva alguém doente, era costume estivessem rezando. E seguia-se o filó...

               Se houvesse alguém doente, era costume visitar também no horário do filó, mais com visita mais breve e com outro ritual. Chegava-se, visitava-se o doente, ficava-se em filó com os familiares em tempo mais breve. Ao final, se o doente não estivesse dormindo, fazia-se a despedida. O filó era com os familiares, sempre da maneia que não perturbasse o repouso do doente.

               Quando, porém, alguém estava em estado grave de saúde, que demandava a presença de alguém, noite e dia, aí estavam os vizinhos, em rodízio, sobretudo à noite, para auxiliar nesses momentos difíceis.

               O filó era, pois, um momento de harmonia da família com sigo mesma, da família com Deus através da oração, e da família com os vizinhos através de encontros periódicos, ditados pelo bom-senso e pelo nível de amizade entre famílias de costume e tradições próprias. Hoje ainda, festeiros de capelas, presidentes ou distribuir encargos entre associações, quando precisam combinar atividades ou distribuir encargos entre associados, vão fazer filó à noite, e passam a limpo a situação da entidade ou instituição que dirigem.

               Os filós eram momentos privilegiados para a crianças que podiam encontrar-se e brincar  juntas; para os jovens que se instruíam pela conversa dos adultos e também tinham oportunidade de encontro com o bem-amado ou bem-amada; e com os adultos que descorriam sobre as culturas, preços, negócios, a troca de sementes o empréstimo de animais reprodutores, troca de jornadas em tarefas especiais, a necessidade de auxiliar alguma família que necessitava de mão-de-obra, por ter alguém doente. Enfim, o filó era, acima de tudo, uma grande escola de valores humanos e cristãos, de educação para sociabilidade e cidadania.

               A dureza de um dia de trabalho não terminava na subjugação pelo cansaço, mas na harmonia do encontro. Famílias que não se visitassem em filós, eram famílias mal relacionadas.

               O filó era também oportunidade de convidar os vizinhos, por ocasião da safra de pinhão, batata, amendoim, laranjas, nêsperas, pêras... Oportunidade em que se aproveitava o bom vinho caseiro. A sensibilidade sugeria que se convidadesse os vizinhos que não haviam produzido tal e qual produto para compartilhar com eles.

               As épocas de safras, eram oportunidades para convidar os amigos ao filó. Ao tempo da uva, convidava-se alguém que ainda não tinha parreiral, para comer uva e beber o vinho doce. O amendoim, o pinhão, a batata, os crostóli, o vinho, a graspa, o café, as bolachas caseiras, eram comes e bebes corriqueiros nos filós.

               Poder-se-ia citar muitos elementos do filó. Mas, o mais importante é aquele filó não esporádico, mas que acontecia todas as noites na casa de cada colono. O encontro da família, preparando-se para a janta, jantando, lavando a louça, fazendo trança, dobrando palha de milho para cigarros, limpando a casa... em meio a uma conversa panorâmica do dia vivido. A família transformava-se em antecâmara do paraíso quando, no final de tudo, jovens, velhos e crianças se ajoelhavam e rezavam conforme o costume de cada família. Crianças adormeciam sobre os bancos e tinham que ser levados à cama no colo, jovens também pegavam no sono e vinha um sacudão dos pais para acordá-los e reagir ao sono porque precisavam rezar. Ia-se à cama abençoado por Deus, com a esperança de levantar disposto e feliz para um novo dia de trabalho que terminaria com um novo dia de paraíso, com a mesma oração noturna, mas cada dia com motivações e intenções diferentes.

               O trabalho era o sinal do progresso, os frutos do trabalho eram sinal da bênção de Deus. Mas a refeição com todos juntos, com alegria e saúde era sinal da vida, da saúde e do amor entre pais e filhos, e a oração era o grande sinal do paraíso. O filó era, pois, a grande síntese da vida do homem em família, em vizinhança e em relação com Deus.

Bibliografia:

 Nós os Itálicos Gaúchos: Mário Maestri..,{et al.} . – Porto Alegre, Ed Universidade /UFRGS. 1996.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Paese de Cuccagna ou País das Maravilhas (e a pelagra)


                                    Paese de Cuccagna ou País das Maravilhas

     A topografia do Paese di Cuccagna é denominado por uma montanha, na verdade, um vulcão que expele, continuamente, moedas de ouro. Como variante, nas narrativas orais, a montanha já não é de ouro mas de queijo ralado. Quando chove, nesses país, chovem pérolas e diamantes, mas podem chover raviólis...

...Entretanto mesmo nessas famílias mais abastadas, a carne era um luxo. No ano de 1863, um jovem médico lombardo, Ezechia Marco Lombroso, realiza estudos sobre o estado da saúde dos camponeses vítimas da subalimentação e indica alguns possíveis remédios para “melhorar a condição alimentar desses infeliz povo camponês”. Sugere que, através de leis municipais, se  acrescente à farinha de milho, farinha de castanhas, de cevada e farelo para fazer esse “pão de bárbaros que é a polenta”. Propõe ainda que se popularize o uso da carne, especialmente de porco, de cavalo e de porcos da Índia. Recomenta o aproveitamento do sangue dos abatedouros, e o uso do leite, que é nutritivo e “muito melhor que a polenta”. A polenta, de fato foi por longos períodos, o único recurso alimentar dos pobres e, em consequecia, a  pelagra, um avitaminose, propagou-se assustadoramente nessas regiões.

        A pelagra é uma doença, que provocada pela carência de uma vitamina B, a niacina, contida na carne fresca. Como o milho é muito pobre em niacina, a pelagra propagou-se como uma epidemia nas regiões onde o milho se tornou o cereal mais importante, se não o único alimento.

         A pelagra, segundo a descrição do Dr. Lombroso, “manifesta-se inicialmente por uma indisposição  seguida de náuseas, dores de cabeça, e um estremo cansaço; depois borborigmos, diarreia, perda progressiva de memória e, na fase final, delírios com tendência ao suicídio”.

Diante desse quadro sombrio, não é de surpreender que as fantasias alimentares dessas populações fossem, ao lado da promessa de muita terra para cultivar, o alvo preferido dos propagandistas da imigração.

A memória coletiva dos habitantes da região colonial italiana, na serra gaúcha, parece não ter eliminado de todo o fantasma das carências alimentares de seus antepassados. Basta pensar como organizamos as nossas refeições, que no âmbito doméstico, quer nos restaurantes.

Bibliografia. Nós os ítalos-gaúchos. Ed.Universidade/UFRGS, 1996. Artigo de Cleodes Maria Piazza Júlio Ribeiro.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Oraciones

Preghiera de la note
                       Gema Frossa
vago in leto
con me angel perfecto
ter gracie li voglio domandare
confessione, comunione e olie santi.




Preghiera de la matina
madona pecinina
leva su la matina
primo far e primo dir
su la pietra de laqua santa
banhar-se bem el viso
para ndar nel paradiso

Nanetto Pipetta


 Tempo Aquiles Bernardi – Nanetto Pipetta  Continuação)

Frei Arlindo Itacir Battistel * conta como nasceu o personagem : “Frei Aquiles Bernardi era um homem sereno, alegre, vivaz e poderíamos dizer que era um frade feliz. Talvez fosse por isso que ele cultivava tão bem o humorismo. Bernardi não concebeu Nanetto como personagem de livro mas criou-o para um seriado do jornal Stafetta Riograndense. Ele, como sacerdote capuchinho, visitava as capelas dos imigrantes italianos que haviam se estabelecido na inóspida selva rio-grandense sofrendo por causa de uma reviravolta total em suas vidas, a começar pela troca do Hemisfério Norte pelo Hemisfério sul. Para o agricultor, essa troca radical dava um transtorno profundo, pois ele perdia a noção da época de plantio e colheita desde os cereaias até as culturas mais elementares de subsistência. Quando na Itália é inverno aqui no R Grande do Sul é verão. Por  isso, era comum que os imigrantes plantavam milho, trigo, ou outra cultura fora de época. Não colhiam nada. Isto chegava a ser ridículo. Eles desconheciam a forma de lidar corretamente com o corte das árvores e o manejo dos diversos tipo de madeira, além desconheceram completamente o comportamento dos animais selvagens. O desconhecimento do clima e do novo ambiente geral criava para eles situações embaraçosas, crônicas e até trágicas. A primeira coisa que o Frei fazia, ao chegar às capelas, era celebrar as cerimônias religiosas. Depois dedicava um tempo para convivência com os imigrantes, ou colonos como costumava chama-los. Na ocasião eles aproveitavam para contar ao Frei as aventuras e desventuras que lhes aconteciam. Frei Aquiles, visitava outras capelas, contava aos imigrantes o que tinha ouvido contar na capela anterior. Os ouvintes gostavam e aproveitavam para também para contar também as suas peripécias. Dai que frei Aquiles teve a licar brilhante ideia de publicar essas histórias no jornal Staffetta Riograndense. Mas havia um problema: se o Frei publicasse as histórias com nome das pessoas envolvidas, poderia ofendê-las, melindrar seus familiares ou desagradar os parentes. Foi então que o Frei concebeu o personagem Nanetto Pipetta, que representava os personagens reais. Tomava-lhes as histórias, mas deixava-os  no anonimato. Ouvia as histórias e as escrevia. Depois voltava para a capela e lia o escrito para os colonos que faziam observações e emendas. Somente depois disto é que as mandava para a redação. Quando Frei Aquiles publicou as primeiras histórias no jornal, logo foram lidas avidamente pelos imigrantes. Os pais, assinantes do jornal, após o jantar e a reza do terço, passaram a reunir a família ao redor da lareira e ler as aventuras de Nanetto Pipetta em voz alta. A alegria tomava conta dos ouvintes. Gostosas gargalhadas eclodiam noite a dentro. Em seguida os que recebiam  o jornal convidavam os vizinhos – que  não  eram assinantes – para visita-los  à noite, em filó, para ouvirem a leitura  das histórias. Diante delas, tão engraçadas, muitos começaram a assinar o jornal para lê-las em primeira mão. Houve então uma explosão de assinantes fazendo o jornal circular a mil. Por algum  tempo Nanetto foi o motivo pelo qual muitos colonos passaram a assinar o jornal. O sucesso de Nanetto foi total porque: 1º - Eram histórias reais encarnadas em Nanetto Pipetta. 2º - As ciam peripécias não aconteciam só para aqueles que contava as história ao Frei, mas aconteciam situações parecidas para vários outros imigrantes. Estes se sentiam encarnados na história, participantes. 3º - Era um aprendizado. Alertava os leitores para que não caíssem nas mesmas armadilhas em que Nanetto caía. Pipetta fez enorme sucesso porque o personagem estava profundamente enraizado na história do povo. O leitor sentia-se participante e cumplice. Tudo ia bem quando surgiu um problema que se “Invidia Clericorum”, isto é: Inveja Clerical. Seus superiores e o diretor do Staffetta se preocuparam com o sucesso do Frei, na verdade não procuravam isso, pois ele simplesmente queria divertir os imigrantes. Em nome de uma pseudo-intelectualidade do diretor e de um falso conceito de moralidade, entendeu que os artigos de Aquiles eram pobres, levianos, baixos e com certos termos vulgares e, portanto, imorais. Na verdade não havia nada disso. O certo é que o Frei Aquiles com seu Nanetto Pipetta incomodava o diretor do jornal que percorreu o caminho contrário de Frei Aquiles. Este escreveu o seriado do jornal, que depois se transformou em livro. O diretor, de um momento para outro, baixou orem para que Aquiles terminasse o seriado de Nanetto, já que ele publicaria um romance italiano no seu lugar. Aquiles ficou desapontado e muito triste, mas como bom capuchino obedeceu. Para expressar seu protesto, no último artigo do seriado, Aquiles fez Nanetto se afogar no Rio das Antas, sem receber a Unção do Enfermos, que para a época, era uma desgraça, pois representava a possibilidade de condenação eterna. O Staffetta Riograndense passou a publicar o seriado do dito romance em italiano gramatical, língua que  entre os imigrantes, não entendia.  Consequência: as assinaturas do jornal despencaram e houve  uma enxurrada de reclamações e protestos. Em vista disto, após algum tempo, os responsáveis pelo jornal retiram o dito romance italiano e pediram a Frei Aquiles voltar a escrever, mas desta vez, se comicidade, mais sensato, mais educativo. No entanto Aquiles havia pedido a empolgação, pois mataram seu maior tesouro: o senso de humor. Obedeceu e passou a escrever artigos sobre costumes, o progresso e a vida simples dos agricultores. Esses artigos depois  foram coletados num livro que se chama “Nino Fratello de Nanetto”. É um livro bom para entender a vida e os costumes dos imigrantes da época, mas não fez sucesso. O que ficou e continua mesmo é Nanetto Pipetta. Bem mais tarde, Frei Rovílio desafogou Nanetto Pipetta tirando-o do Rio das Antas e fazendo-o ressuscitar com o mesmo nome, o mesmo estilo, mas num ambiente moderno. Vários autores como: Grigolo, Grando, Gardelin e outro passaram a escrever novos seriados de Nanetto Pipetta que foram e estão sendo publicados no Correio Riograndense. Estas estórias estão sendo bem aceitas pelos assinantes na medida que os autores aproximam na medida que os autores aproximam seu personagem fictício aos personagens da vida real. Atualmnte há muitos leitores do Correio Riograndense que apreciam realmente o novo seriado de Nanetto Pipetta que continua bem vivo e sempre renovado.

Bibliografia:Revista INSIEME. A Revista Italianda Daqui. Nº 159 – Março – Marzo 2012.

www.insieme.com.br   ou  insieme@insieme.com.br